PANCREATITE AGUDA

A pancreatite aguda pode variar desde um distúrbio discreto e autolimitado até uma doença grave e potencialmente fatal. Oitenta por cento dos casos têm relação com doenças relacionadas ao trato biliar e/ou o abuso de álcool. Causas menos comuns são trauma abdominal fechado, úlceras pépticas, doenças vasculares isquêmicas, dislipidemias, hipercalcemias, infecções bacterianas e virais (complicação da caxumba, por exemplo) e uso de medicamentos como corticosteroides, tiazídicos, contraceptivos orais, entre outros.

Caracterizada por edema e inflamação pancreática, quando leve, gera disfunção orgânica menor e retorno à normalidade dentro de seis meses. Nesses casos, ainda que o quadro seja considerado leve, o paciente se encontra agudamente enfermo e está em alto risco de choque hipovolêmico, distúrbios hidroeletrolíticos e sepse. Isso acontece por conta da digestão enzimática do órgão que ocorre completa e disseminadamente, afetando os vasos sanguíneos, o que repercute com sangramento e isquemia. A necrose dos tecidos que pode se estender para o retroperitônio e complicar com cistos a abcessos locais. Há considerável risco de evolução para falência múltipla dos órgãos.

Fisiopatologia:

A pancreatite aguda é causada pela autodigestão do pâncreas pelas próprias enzimas (principalmente a tripsina). Cálculos biliares no ducto colédoco e na ampola Vater e congestionam a secreção do suco pancreático, reverberando em refluxo para o ducto pancreático, ativando a função enzimática do líquido no interior do órgão.

Esse evento causa inflamação (vasodilatação e aumento da permeabilidade vascular), erosão, hemorragia e necrose. É possível que as crises evoluam para cura, recidiva sem lesão permanente ou pancreatite crônica. 


Critérios para antecipação de gravidade da pancreatite:

para admissão hospitalar –

  • Idade > 55 anos;
  • Leucócitos > 16.000 mm3;
  • Glicose sérica > 200 mg/dℓ (>11,1 mmol /ℓ);
  • LDH sérica > 350 UI /ℓ (> 350 U/ℓ);
  • AST > 250 U/mℓ (120 U/ℓ).

dentro de 48 horas após a admissão hospitalar – 

  • Queda do hematócrito > 10% (>0,10);
  • Aumento da ureia > 5 mg/dℓ (> 1,7mmol /ℓ);
  • Cálcio sérico < 8 mg/dℓ (< 2,0mmol /ℓ);
  • Déficit de base > 4 mEq/ℓ (> 4mmol /ℓ);
  • Retenção ou sequestro de líquido > 6ℓ;
  • PO2 < 60mmHg.

Dos sinais acima:

  • 2 ou menos: mortalidade de 1%;
  • 3 ou 4 sinais: 15%;
  • 5 ou 6 sinais: 40%;
  • >6 sinais: 100%.

Clínica:

A pancreatite aguda pode gerar os seguintes sinais e sintomas:

  • Dor e hipersensibilidade abdominal intensa com manifestação de defesa durante o exame físico ;
  • Dor nas costas causada pela irritação e edema pancreáticos;
  • Dor agudizada de 24h a 48h após refeições pesadas e consumo de álcool e não pode ser aliviada com o uso de medicamentos antiácidos;
  • Distensão abdominal palpável, indefinida;
  • Diminuição do peristaltismo;
  • Náuseas e vômitos com cor de bile que não aliviam a dor;
  • Abdome rígido ou em tábua (sinal de peritonite);
  • Equimose periumbilical ou em flancos (sinal de gravidade);
  • Febre, icterícia, confusão mental e agitação;
  • Hipotensão e choque relacionados a sangramentos.

A evolução grave do quadro pode reverberar em insuficiência renal aguda, dispneia, taquipneia, angústia respiratória, hipóxia, infiltrados pulmonares difusos, alterações gasométricas, depressão miocárdica, hipocalcemia, hiperglicemia e coagulação intravascular disseminada (CIVD).

Diagnóstico:

É baseado no histórico de dor abdominal associada a fatores de risco que o diagnóstico é feito. Normalmente, o laboratório acusará elevação sérica de amilase e lipase 24 horas após o início dos sintomas, embora essa alteração não constitua evidência do distúrbio isoladamente. 

A amilase se normaliza em um período entre 48 e 72 horas e a lipase permanece alterada por mais tempo (vários dias). A amilase também aparecerá na urina e essa alteração se sustenta mais tempo do que a amilase sérica também. Também se espera por uma leucocitose e hipocalcemia, alterações que variam de acordo com a gravidade do quadro, além de hiperglicemia, glicosúria e hiperbilirrubemia. O hematócrito e a hemoglobina servem para monitorar sangramentos.

Radiografias são úteis para distinguir a pancreatite aguda de outras afecções abdominais, além de identificar consequentes derrames pleurais. A ultrassonografia e a tomografia computadorizada com contraste evidenciam aumento pancreático, cistos, pseudocistos e abcessos. A colangiopancreatografia endoscópica retrógrada (CPRE) raramente é utilizada para avaliação diagnóstica do paciente agudamente enfermo, mas pode ser útil no tratamento de pancreatite por cálculos biliares.

Tratamento Clínico:

O tratamento é direcionado para alívio dos sintomas, prevenção e tratamento das complicações potenciais/reais. É imprescindível suspender a ingesta oral para inibir a estimulação da produção enzimática do pâncreas, optando-se pela nutrição parenteral, principalmente para pacientes debilitados e naqueles acometidos por íleo paralítico. Pesquisas apontam que a nutrição enteral pode ser viável e, avaliando-se critérios de risco e custo X benefício, essa via deve ser utilizada sempre que possível.

A administração de antagonistas da histamina 2 (cimetidina, ranitidina, por exemplo) podem ser utilizadas para inibir a atividade pancreática. Pacientes que não toleram esse medicamento, têm a alternativa de serem tratados com inibidores da bomba de prótons (pantoprazol, por exemplo).

Foco especial deve ser dado a fatores como:

  • Controle da dor;
  • Correção hidroeletrolítica;
  • Vigilância hemodinâmica e gasométrica em terapia intensiva;
  • Antibioticoterapia;
  • Insulinoterapia;
  • Oferta de oxigênio ou ventilação mecânica mediante insuficiência respiratória;
  • Drenagem biliar;
  • Intervenção cirúrgica.

Exemplo de um Plano de Cuidado de Enfermagem voltado ao paciente acometido por pancreatite aguda

Diagnóstico de Enfermagem: 

Dor aguda e desconforto relacionados a edema e distensão pancreática e irritação peritonial.

Prescrições de Enfermagem sugeridas:

Suspender dieta oral do paciente;

Atentar para a sua analgesia;

Administrar medicamentos anticolinérgicos conforme prescrição médica;

Manter o paciente em repouso no leito;

Ajudar o paciente a encontrar posicionamento confortável ou mudar decúbito e posicionar em intervalos regulares de acordo com as condições clínicas e tolerância do paciente;

Manter drenagem nasogástrica contínua na vigência de íleo paralítico, náuseas e vômitos.

Resultado esperado:

Alívio da dor e desconforto.

Diagnóstico de Enfermagem: 

Distúrbio hidroeletrolítico, hipovolemia ou choque hipovolêmico.

Prescrições de Enfermagem sugeridas:

Avaliar sinais clínicos de distúrbios hidroeletrolíticos e hipovolemia como sinais vitais, débito urinário, status neurológico, aparência de pele e mucosas, por exemplo;

Atentar para perdas volêmicas e eletrolíticas potenciais como vômito, diarreia, drenagem gástrica e sudorese profusa;

Agir em tempo hábil em caso de choque ou complicações por deficiências eletrolíticas.

Resultado esperado:

Melhora do status hidroeletrolítico e manutenção de uma adequada pressão arterial e consequente perfusão tissular.

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